Curso Básico de Mecânica dos Solos
Organizado
em 16 aulas
7.3
Rede de fluxo bidimensional
No
caso de fluxos bidimensionais, as redes de fluxo devem ser
traçadas mantendo-se os mesmos princípios: canais de igual
vazão e zonas de igual perda de potencial. O estudo pode se
iniciar pela percolação em um permeâmetro curvo hipotético.
Permeâmetro
curvo
Consideremos
um permeâmetro curvo, com o formato de um setor de anel
circular, como o indicado na Figura 7.3. Logicamente, não
existe razão para se fazer permeâmetros com este formato. O
exercício proposto, entretanto, é útil para o estudo de
fluxos bidimensionais, como o permeâmetro regular foi útil
para o estudo de fluxos unidimensionais.
Figura 7.3 Rede de fluxo em permeâmetro com formato curvo
A
areia está contida pelas telas AB e CD, que são ortogonais às
paredes do permeâmetro. As distâncias AB e CD são iguais a
10cm, o arco AC mede 12cm e o arco BD mede 24cm. Para o traçado
da rede de fluxo, consideremos o seguinte:
-
Linhas
de fluxo
A face interna do permeâmetro, o arco AC, é uma linha de
fluxo. Nela, o gradiente é igual a 6/12 = 0,5.
A face externa, o arco BD, também é uma linha de fluxo, ao
longo da qual o gradiente é igual a 6/24 = 0,25.
Todas as outras linhas de fluxo serão arcos de círculos
concêntricos. Como o comprimento de cada arco é diferente,
também são os gradientes. Sendo constante o coeficiente de
permeabilidade, conclui-se que as veloci-dades de percolação
serão diferentes, sendo menores junto à superfície externa
(menor i) do que junto à face interna.
Nas redes de fluxo, o que se pretende das linhas de fluxo é
que elas delimitem canais de fluxo de igual vazão. Ora, se a
velocidade é menor junto à superfície externa, é
necessário que os canais próximos a ela sejam maislargos do
que os canais junto à superfície interna. As linhas de fluxo
deverão estar mais próximas entre si junto à superfície
interna.
-
Análise
das equipotenciais
A diferença de carga que provoca a percolação é de 6 cm.
Esta carga se dissipa linearmente ao longo de cada linha de
fluxo. Se se optar por traçar linhas equipotenciais que
definam faixas de perda de potencial iguais a 0,5cm,
existirão 12 faixas (6/0,5 = 12). Ao longo da superfície
interna do permeâmetro estas linhas distam 1,0cm entre si. Na
superfície externa do permeâmetro o afastamento entre as
equipotenciais será de 2,0cm. Em qualquer outra linha de
fluxo, seu comprimento será dividido em 12 partes iguais. As
equipotenciais serão, então, retas convergentes, como se
mostra na Figura 7.3.
Esta construção determina que as equipotenciais sejam
ortogonais às linhas de fluxo, como deve ocorrer em qualquer
rede de fluxo em materiais de permeabilidade homogênea.
-
Escolha
das linhas de fluxo
Os canais de fluxo devem ter a mesma vazão. Além disto, é
útil que as linhas de fluxo formem com as equipotenciais
figuras aproximadamente quadradas. Assim, a primeira linha de
fluxo a partir da superfície interna deve estar afastada dela
um pouco mais do que 1cm, pois as equipotenciais junto à
superfície interna estão distantes de 1cm.
À medida que se afasta da face interna, a distância entre as
linhas de fluxo deve aumentar, como se mostra no detalhe da
Figura 7.3, pois as equipotenciais se afastam. Junto à
superfície externa, o espaçamento se aproxima de 2cm. No
detalhe da figura, se constata que, com esta construção, o
número de canais de fluxo é igual a 5,7, número
fracionário porque o último canal tem largura da ordem de
0,7 da distância entre as equipotenciais. Neste canal, a
vazão é igual a 70% das vazões que ocorrem nos demais.
Observe como faz sentido as linhas de fluxo se afastarem
quando as equipotenciais se afastam. Maior afastamento das
equipotenciais indica menor gradiente. Como se pretende a
mesma vazão nos canais, o menor gradiente deve ser compensado
com uma maior largura do canal. Analisando-se a vazão em cada
canal pela Lei de Darcy, tem-se:
A vazão em todos os canais será a mesma se a relação b/1
for constante.
Percolação sob pranchada
A Figura 7.4 mostra uma rede de fluxo correspondente à
percolação sob uma pranchada penetrante numa camada de areia,
sendo o nível d'água rebaixado num dos lados por bombeamento.
O contorno da pranchada, de um dos lados, e a superfície
inferior da camada permeável, do outro, são duas linhas de
fluxo. Traçadas algumas outras linhas de fluxo, observa-se
que esta rede se diferencia da rede correspondente ao
permeâmetro curvo pelo fato dos canais de fluxo terem
espessuras variáveis ao longo de seus desenvolvimentos, pois
a seção disponível para passagem de água por baixo da
pranchada é menor do que a seção pela qual a água penetra
no terreno, por exemplo.
Figura 7.4 Rede de fluxos sob pranchas
Em virtude disso, ao longo de um canal de fluxo, a velocidade
da água é variável. Quando o canal se estreita, devendo ser
constante a vazão, a velocidade tem que ser maior. Logo, o
gradiente é maior. Em conseqüência, sendo constante a perda
de potencial de uma linha para a outra, o espaçamento entre
equipotenciais deve diminuir. A relação entre linhas de
fluxo e equipotenciais se mantém constante.
Figura 7.5 Fluxo entre equipotenciais
Por outro lado, a superfície livre do terreno, tanto a
montante como a jusante, são equipotenciais. Consideremos um
ponto qualquer numa equipotencial. A partir deste ponto, o
gradiente para passar à equipotencial de menor valor é a
perda de potencial dividida pela distância percorrida. Como
se mostra na Figura 7.5, é evidente que o gradiente é
máximo pelo caminho normal às equipotenciais. Em solos
isotrópicos, o fluxo segue o caminho de maior gradiente, da
mesma forma que, colocando-se uma esfera numa certa cota de um
talude, ela rola pelo caminho mais íngreme. (Na Figura 7.5,
as equipotenciais podem ser consideradas como curva de nível
do terreno: a esfera rolará até a cota mais baixa pelo
caminho mais íngreme, que é normal às curvas de nível).
Portanto, as linhas de fluxo são normais às equipotenciais.
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